PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO NA ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS – APAC: Grupos de Atenção Socioeducativos UEMG/Frutal-MG
PROCESO DE RESOCIALIZACIÓN EN LA ASOCIACIÓN PARA LA PROTECCIÓN Y ASISTENCIA DE CONDENADOS - APAC: Grupos de Atención Socioeducativa UEMG / Frutal-MG
Rozaine Aparecida Fontes Tomaz
Loyana Christian de Lima Tomaz
Leonardo de Andrade Alberto
Mariana Borges Alves Marçal
Resumo: O objetivo principal deste trabalho é contribuir com análises a partir das atividades e estudos que foram desenvolvidos durante a vigência do projeto “Grupos de Atenção Socioeducativos UEMG/Frutal-MG na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados- APAC”, coordenado por professoras da Universidade do Estado de Minas Gerais/UEMG e levado a cabo por discentes devidamente matriculados à época, no 6º período do Curso de Direito da UEMG, Unidade de Frutal. Ainda, fazer uma análise do atual sistema prisional brasileiro, comparando-o com a Metodologia APAC. O referido projeto foi aprovado na seleção do Edital PAEx/UEMG nº 01/2018. As informações deste estudo foram obtidas por meio de análises da lei, doutrinas, artigos e visitas técnicas à APAC e à Unidade Penitenciária de Frutal-MG e ainda à participação em grupos de Atenção-Socioeducativos dentro da APAC. Utilizou-se o método dedutivo, a partir de uma ideia prévia de falência do atual sistema carcerário e sua ineficiência relativa ao papel ressocializador da pena privativa de liberdade.
Palavras-chave: Reintegração social. Prisão brasileira. Pena privativa de liberdade. APAC.
Resumen: El objetivo principal de este trabajo es contribuir con análisis a partir de las actividades y estudios que se desarrollaron durante la vigencia del proyecto “Grupos de Atención Socioeducativa UEMG / Frutal-MG en la Asociación para la Protección y Atención a Presos - APAC ”, coordinado por docentes de la Universidad Estatal de Minas Gerais / UEMG y realizado por alumnos debidamente matriculados en su momento, en el 6º período de la Carrera de Derecho de la UEMG, Unidad Frutal. Además, hacer un análisis del sistema penitenciario brasileño actual, comparándolo con la Metodología APAC. Este proyecto fue aprobado en la selección del Aviso Público PAEx / UEMG No. 01/2018. La información de este estudio se obtuvo a través del análisis de la ley, doctrinas, artículos y visitas técnicas a APAC y la Unidad Penitenciaria de Frutal-MG y también a la participación en grupos de Atención Socioeducativa dentro de APAC. Se utilizó el método deductivo, basado en una idea previa de la quiebra del actual sistema penitenciario y su ineficacia relacionada con el rol resocializador de la pena privativa de libertad.
Palabras clave: Reinserción social. Prisión brasileña. Privación de libertad. APAC.
1 INTRODUÇÃO
O homem é um animal social e político e a liberdade é uma das suas características. No entanto, a história nos mostra que o homem vem sendo punido desde tempos remotos e na atualidade nos escancara a forma cruel e indigna com que vem sendo tratado quando comete algum crime. A população carcerária não pára de crescer e muitas vezes as atuais situações dos presídios brasileiros contrariam a legislação vigente.
Porém, alguns sistemas prisionais alternativos se destacam por trabalhar seguindo com rigor a legislação e aplicação da disciplina ao mesmo tempo em que cuidam e tratam com respeito os condenados. Dentre eles, destaca-se o método alternativo desenvolvido pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC, criado no Brasil entre 1972/1973 e que tem conquistado não apenas vários Estados brasileiros, mas boa parte do mundo, pela forma com que promove a valorização do apenado, preparando-o para o retorno à sociedade, de maneira que esteja apto para esse convívio sem oferecer risco a si próprio e a terceiros.
2 DAS PENAS
A tradição aponta que o primeiro ato punitivo ocorrido foi aplicado por Deus, ao expulsar Adão e Eva do Jardim do Éden após terem experimentado o fruto proibido, destruindo assim a pureza do homem. Outro fato bíblico, a história dos irmãos Abel e Caim, culminou em homicídio e, posteriormente, em uma punição, retratando o início de atos violentos contra aqueles que vivem ao nosso redor.
Anos mais tarde, a desobediência inicial do homem gerou o primeiro homicídio. Caim, enciumado pelo fato de que Deus havia se agradado mais da oferta de seu irmão, Abel, traiçoeiramente o matou. Caim recebeu sua sentença diretamente de Deus, que decretou que ele seria um fugitivo e errante pela terra. (GRECO, 2011, pág. 125).
A pena é uma repressão a transgressões ou atos considerados antissociais, praticados pelo agente, como se observa nas penas descritas acima, pois com elas é possível entender o delito e, a partir dele, entender as circunstâncias que levaram a tal prática.
Ao longo do progresso humano, a pena sofreu uma evolução que
[...] Em regra, os historiadores consideram várias fases da pena: a vingança privada, a vingança divina, a vingança pública e o período humanitário. Todavia deve advertir-se que esses períodos não se sucedem integralmente, ou melhor, advindo um, nem por isso o outro desaparece logo, ocorrendo, então, a existência concomitante dos princípios característicos de cada um: uma fase penetra a outra, e, durante tempos, esta ainda permanece a seu lado.(GRECO apud NORONHA, 2017, págs. 47-48).
Ainda na opinião de Greco (2017), a primeira modalidade de pena entre os humanos foi a chamada vingança privada, que consistia, simplesmente, na retribuição do mal cometido a alguém, podendo ser exercida por quem sofreu a lesão ou por terceiros. A Lei do Talião - olho por olho e dente por dente - é portanto, um exemplo desta vingança. Outra modalidade de pena, foi a chamada vingança divina, aplicada pelos sacerdotes, que, segundo a tradição, possuíam contato direto com Deus e atuavam conforme sua vontade a fim de purificarem a alma do condenado por meio do castigo físico. A terceira fase da pena está “[...] fundamentada na melhor organização social, como forma de proteção, de segurança do Estado e do soberano, mediante, ainda, a imposição de penas cruéis, desumanas, com nítida finalidade intimidatória” (GRECO, 2017, pág. 49).
Posteriormente, surge a figura do árbitro, ou seja, aquele que resolveria o conflito das partes. Esta função era exercida pelas pessoas que possuíam ligação direta com Deus ou eram munidas de experiência, como os sacerdotes e anciãos, respectivamente.
Finalizando a evolução das penas, surge a jurisdição onde o Estado aplicava o direito ao caso concreto, a fim de solucionar a lide.
2.1 Tipos de penas
Faz-se importante traçar um panorama a respeito dos tipos de penas, como por exemplo, as corporais, de morte e, por fim, a privativa de liberdade. As penas corporais proporcionavam sofrimento físico ao condenado, como a mutilação de membros, sem, no entanto, lhe causar a morte. Já a pena de morte poderia ser aplicada de forma lenta e dolorosa, ou de forma rápida, como ocorria nas guilhotinas.
Após a Revolução Francesa (1789/1799), a pena privativa de liberdade começou a ganhar espaço no mundo prisional, pois trazia, ainda que com resquícios mínimos, o conceito de dignidade, ou seja, de fazer com que o homem cumpra sua pena de maneira digna.
Elías Neuman traça uma evolução da pena privativa de liberdade, que seria:
1) Período anterior à pena privativa de liberdade, no qual a prisão constitui um meio para assegurar a presença da pessoa do réu ao ato judicial.
2) Período de exploração. O estado adverte que o condenado constitui um apreciável valor econômico em trabalhos penosos; a privação de liberdade é um meio de assegurar sua utilização em trabalhos penosos.
3) Período correccionalista e moralizador. Encarnado pelas instituições do século XVIII e pelos princípios do século XIX.
4) Período de readaptação social ou ressocialização. Sobre a base da individualização penal, o tratamento penitenciário e pós-penitenciário.
(GRECO apud NEUMAN, 2011, pág.152).
É possível perceber que a pena privativa de liberdade evoluiu de um ato preventivo, garantindo que o criminoso não fugisse, ao que hoje a legislação assegura, ou seja, a pena de prisão como meio de cumprimento de sentença penal, com o intuito de individualizar e ressocializar o apenado, para que ele possa viver pacificamente em sociedade.
3 SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO
No início do ano de 2017, o Brasil ficou marcado pelo caos dentro das penitenciárias, em especial nos Estados das regiões Norte e Nordeste, nas quais a guerra entre facções inimigas, dentro dos presídios, culminou na morte de diversos detentos, segundo Yarochewsky (2017).
Há cerca de duas décadas, Maurício Corrêa, então Ministro da Justiça, afirmou:
A questão penitenciária do Brasil é grave. Sua solução extremamente complexa. E o ponto de partida é a compreensão de que, enquanto persistirem as causas geradoras da criminalidade violenta, enquanto não se reformular o sistema penal brasileiro – destinando-se os presídios somente aos efetivamente perigosos -, nenhum Governo conseguirá equilibrar o sistema penitenciário. A solução está, assim, integrada à reorganização do Estado, ao estabelecimento de políticas públicas eficientes e justas, com vistas ao bem-estar de toda a sociedade. (YAROCHEWSKY, 2017 apud CORRÊA).
As condições do cárcere, em correlação com a legislação vigente, demonstram o caos que o sistema vive, pois o objetivo para o qual foi criado não é cumprido integralmente, isto é, o objetivo de ressocializar o apenado.
3.1 Lei de Execução Penal
A lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984, institui a Lei de Execução Penal (LEP), que dispõe sobre os direitos e deveres dos presos. O artigo 1° ordena que “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Neste segmento se nota a tríplice finalidade da pena adotada pelo Estado brasileiro, quais sejam: retribuição, prevenção e ressocialização. Isto é, a pena retribui o mal cometido pelo agente em outro mal, o encarceramento. Porém, com caráter ressocializador, há de se prevenir um novo delito e preparar o detento para retornar ao convívio pacífico em sociedade, distanciado do crime.
O Ordenamento Jurídico é formado por normas, estas são divididas em regras e princípios pela doutrina e, segundo Gilmar Mendes “Os princípios corresponderiam às normas que carecem de mediações concretizadoras por parte do legislador, do juiz ou da Administração. Já as regras seriam as normas suscetíveis de aplicação imediata”. (MENDES, 2017)
Não se distancia disso a execução penal, que é norteada por uma vasta gama de princípios, como, por exemplo, o devido processo legal; o da individualização da pena que dar-se-á conforme a personalidade, antecedentes e o tipo de delito praticado pelo agente; o da igualdade que assegura a não concessão de privilégios de efeito discriminatório; bem como o artigo 1°, inciso III, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que sentencia sobre a dignidade da pessoa humana.
A respeito deste princípio que rege a sociedade e o ordenamento jurídico, João Trindade Cavalcante Filho discorre “[...] tratar-se de reconhecer a todos os seres humanos, pelo simples fato de serem humanos [...]”. (FILHO, pág.04)
Neste sentido, a Lei de Execução Penal discorre em seu artigo 3° que “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei” e, no artigo 25, inciso I, são discorridos os direitos dos presos, tais como, a assistência material, a saúde, o atendimento jurídico, a atenção educacional e religiosa, o convívio social e a assistência ao egresso, sendo que este último respalda-se “na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade”,
A supracitada lei adota a progressão de pena, no entanto, nem assim há um declínio na população carcerária brasileira, de acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) os números de presos vêm crescendo gradualmente. Em 2004, o país tinha 336 mil presos. Dez anos depois, esse número quase dobrou, com 622 mil, sendo 584,7 mil em prisões estaduais, 37,4 mil em carceragens de delegacias e 397 nas quatro prisões federais em funcionamento no país. (BRANDÃO, 2017)
Em 2015, o Brasil ocupava a quarta posição no ranking dos países com a maior população carcerária do mundo, segundo dado divulgado pelo Ministério da Justiça, e, em 2017 o país saltou para a terceira posição, possuindo mais de 700 mil presos, ultrapassando a Rússia e ficando atrás, apenas, dos Estados Unidos e da China (BRASIL, 2017).
As atuais condições dos presídios brasileiros corroboram com o pódio, pois não seguem a legislação vigente ou, salvo raríssimas exceções, cumprem-na parcialmente. Conquanto preveja punição para a transgressão da lei, como no artigo 203, §4°, que dispõe que “O descumprimento injustificado dos deveres estabelecidos para as Unidades Federativas implicará na suspensão de qualquer ajuda financeira a elas destinada pela União, para atender às despesas de execução das penas e medidas de segurança.”, continuam mantendo os encarcerados em situações deploráveis, celas superlotadas e insalubres, com condições indignas de sobrevivência e, portanto, desviando-se da finalidade para qual o sistema carcerário foi criado.
4 SISTEMA CARCERÁRIO FRUTALENSE
Em visita técnica realizada ao presídio de Frutal-MG, em julho de 2017, no Triângulo Mineiro, foi possível constatar que a unidade não se esquiva dos problemas encontrados na maior parte dos presídios brasileiros.
A unidade frutalense tem capacidade para 135 presos, no entanto, contava com um número de 266 encarcerados, sendo destes, 20 mulheres, 4 adolescentes e 1 transexual mulher em cela masculina, contrariando o artigo 3° da Resolução Conjunta n°1, de 15 de abril de 2014, o qual dispõe que “Às travestis e aos gays privados de liberdade em unidades prisionais masculinas, considerando a sua segurança e especial vulnerabilidade, deverão ser oferecidos espaços de vivência específicos”.
O presídio frutalense não possui escola, a biblioteca do local tem o pouco interesse dos presos e contava com serviço médico básico à época, duas vezes por semana. O local é antigo e apesar de precisar de um número bem mais expressivo de funcionários possui pouco mais de quarenta agentes.
5 SISTEMAS ALTERNATIVOS DE PRISÃO
Como apontado anteriormente, além do sistema penitenciário comum, há no Brasil alguns sistemas alternativos de prisão, que possuem metodologias diferentes das aplicadas no sistema comum, a fim de tentar ampliar os índices de ressocialização.
Dentre eles, o sistema de cumprimento de pena alternativa de maior popularidade e ascensão no Brasil tem sido o da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), que por meio da disciplina, do cuidado e da evangelização, busca capacitar o condenado para que ele retorne ao convívio social. Atualmente, a APAC está presente em muitos estados brasileiros, com enfoque no Estado de Minas Gerais, e em diversos países.
6 ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS – APAC
A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados/APAC – surgiu em 1972 na cidade de São José dos Campos-SP, com o nome cuja sigla significava: “Amando o Próximo, Amarás a Cristo”. Em princípio, surge ligada a grupos religiosos que praticavam trabalhos voluntários destinados à população carcerária, junto à Pastoral Penitenciária. Contudo, com o passar do tempo, notou-se que para que o grupo pudesse possuir maior respaldo dentro das penitenciárias, era necessário se organizar juridicamente, e assim, a APAC se reorganiza e passa a ter a atual denominação “Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC”, sendo uma entidade sem fins lucrativos, cujo intuito é promover a ressocialização dos internos.
A APAC foi idealizada pelo advogado e jornalista Mário Ottoboni, que costumava dizer que “ninguém é irrecuperável”. Consequentemente, a instituição idealizada por ele tem como filosofia “matar o criminoso e salvar o homem”.
Em 2001, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) cria o Programa Novos Rumos, o qual conta com diferentes frentes de atuação para humanizar o cumprimento da pena privativa de liberdade, tornando-se, desde então, a APAC, um dos pilares deste programa.
Atualmente a APAC está presente em todas as regiões do Brasil, em cerca de 9 (nove) Estados diferentes, totalizando 150 unidades, e em mais de 15 (quinze) países ao redor do mundo. A cidade de Frutal- MG, local onde foi desenvolvido o presente estudo, tem hoje a unidade referência da APAC masculina no Brasil, e já conta com uma unidade APAC feminina e APAC juvenil.
6.1 Relações entre o preso e a APAC
O único requisito para que um preso seja transferido do Sistema Penitenciário Comum para o Sistema APAC é que ele já tenha sido condenado, pois se acredita que dessa forma não há risco de fuga, pois se tem claro o (re)conhecimento do tempo que deverá cumprir para progredir de regime ou receber sua liberdade.
A partir do momento em que o condenado passa a incorporar o sistema APAC, ele deixa de ser tratado como preso/condenado/criminoso entre outras nomenclaturas, e passa a ser chamado de recuperando ou apaqueano, pois se acredita que o indivíduo está em um processo de recuperação e merece o devido respeito, soando como ofensivas as denominações anteriores.
A APAC não faz distinção quanto aos crimes cometidos por seus recuperandos, aceitando indivíduos que cometeram desde pequenos crimes até crimes hediondos, pois há a ideia de que a oportunidade deve ser dada de forma igualitária a todos. Também não há distinção em relação ao tempo de condenação.
Caso seja da vontade do recuperando, ele pode requisitar saída da APAC a qualquer momento, tendo, assim, ciência de que irá retornar ao sistema comum. O procedimento é simples: o recuperando procura o Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS) do regime e solicita o termo de transferência; no momento em que se assina é repassado para a direção. De lá, são tomadas outras providências, quais sejam: preencher um formulário de transferência e contatar a Polícia Militar para que faça a escolta do recuperando para o presídio comum. O procedimento é o mesmo tanto para o regime aberto quanto para o fechado.
Há ainda recuperandos que não se adaptam à metodologia apaqueana e sua forma de aplicação, por vezes, demonstrando possível risco à recuperação dos demais. Neste caso, é feita a transferência deste recuperando para o sistema comum, alegando inadaptação à metodologia apaqueana.
6.2 Metodologia da APAC
A metodologia desenvolvida pela APAC prioriza a valorização humana junto às religiões cristãs. Os recuperandos da APAC recebem assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica. Dentro da metodologia há 12 (doze) elementos que devem ser aplicados de maneira conjunta para que se alcance eficácia do método. Os elementos são: participação da Comunidade; recuperando ajudando recuperando; o trabalho; assistência jurídica; espiritualidade; assistência à saúde; valorização humana; a família; o voluntário e o curso para sua formação; Centro de Reintegração Social (CRS); mérito; e Jornada de Libertação em Cristo.
Um ponto importante da metodologia apaqueana é a cultura de responsabilidade transmitida aos recuperandos por meio de uma disciplina rígida, caracterizada por ordem, trabalho, respeito e envolvimento da família. Entre as funções que envolvem a responsabilidade do interno estão o cuidado com a segurança, visto que as chaves da unidade ficam em posse do próprio recuperando, alimentação e limpeza da unidade, evitando assim que haja tempo ocioso, de forma que a ressocialização começa no dia a dia.
Ademais, o sistema alternativo promove o aperfeiçoamento das habilidades profissionais dos apaqueanos, realizando cursos e treinamentos, capacitando-os para trabalhar, por exemplo, na construção civil, no campo, em estabelecimentos comerciais, dentre outras áreas. O principal objetivo é colocá-los no mercado de trabalho, pois nada adianta recuperar social e psicologicamente, se, ao sair do sistema o sujeito não tiver chances de conseguir meios de se sustentar, sem ter que voltar à prática de delitos.
Outra característica da APAC é a importância do envolvimento da família no processo de recuperação. Atualmente, prioriza-se recuperandos que possuam família residente na comarca, pois assim o trabalho vai se estender também para a família, que se prepara para o retorno do recuperando à sociedade e lida melhor com o fato do ente querido estar cumprindo pena privativa de liberdade em sua própria cidade. A instituição faz esse trabalho conjunto, promovendo palestras, reuniões e visitas.
O processo de recuperação é realizado tanto pelos membros do Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS), quanto pela direção, que inclui psicólogo, assistente social, assistência jurídica, assistência religiosa, dentre outros. O CSS é de suma importância, pois passa a maior parte do tempo com os recuperandos, devendo estes auxiliá-los, conforme um dos pilares do método: “Recuperando ajudando Recuperando”.
6.3 Grupos de Atenção-Socioeducativos da UEMG/Frutal
O presente trabalho se utilizou da metodologia de grupos dentro da unidade APAC/Frutal, ou seja, grupos de Atenção-Socioeducativos, anteriormente citados, a partir da aprovação do projeto de Extensão desenvolvido na Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG, Unidade de Frutal. Os grupos foram formados por cerca de 20 (vinte) recuperandos do Sistema APAC, pelos discentes e docentes, as reuniões ocorreram quinzenalmente na Unidade da APAC Masculina em Frutal- MG a fim de promover o diálogo entre os recuperandos, por meio de técnicas de terapia em grupo.
A cada reunião, o tema a ser debatido foi decidido pelos próprios recuperandos para que todos se sentissem à vontade para se expressarem. Geralmente os temas mais escolhidos são: culpa, perdão, raiva, liberdade, justiça e família, entre outros. Muitos deles demonstram no início dos debates um sentimento de injustiça pelo tempo da pena, pela maneira como o processo foi conduzido, ou até mesmo por terem cometido o crime por circunstâncias alheias a eles. No entanto, como eles próprios são os protagonistas do debate, é possível perceber naqueles que se expressam mais, o arrependimento pelo ato cometido e por terem causado constrangimento e sofrimento a quem eles mais amam, ou seja, seus familiares próximos. Passam a compreender também a pena cumprida na APAC como uma oportunidade de mudarem o rumo de suas vidas.
É notório o comportamento de receptividade dos recuperandos durante os grupos e a satisfação por cumprirem suas penas dentro do sistema APAC. Eles verbalizam relutância em relação ao sistema comum, para o qual não desejam retornar, por possuírem consciência de que estando na APAC recebem condições melhores que as oferecidas no presídio e, muitas vezes, melhores até que suas condições na sociedade e em suas famílias. Cenário diverso ao que se encontrou no presídio visitado, no qual os presos prevalecem perpetuando medo.
Por fim, cumpre ressaltar que o objetivo das reuniões é o de esclarecer aos recuperandos que o processo pelo qual estão passando, dentro da instituição, serve para melhor prepará-los para o retorno à sociedade, fazendo-os entender os caminhos que os levaram à Associação.
Grupo de Atenção Sócioeducativo - Foto cedida pela APAC Frutal (2018).
7 COMPARAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS
De acordo com dados do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (2017), o custo mensal de um preso para o sistema comum gira em torno de R$2.000,00 (dois mil reais), enquanto que no sistema APAC o custo cai para R$1.000,00 (mil reais). Para a abertura de uma vaga no sistema alternativo são despendidos R$27.000,00 (vinte e sete mil reais), em contrapartida o outro sistema despende R$37.000,00 (trinta e sete mil reais) para abrir uma nova vaga.
Outra grande diferença está nos índices de reincidência . Dados do TJMG apontam que cerca de 15% dos recuperandos da APAC se tornam reincidentes, enquanto que 80% a 90% da população carcerária no sistema comum se tornam reincidentes.
Uma característica positiva do trabalho das APACs é o fato de cada unidade poder contar com um número máximo de 200 (duzentos) recuperandos, sendo possível o acompanhamento individualizado e maior cuidado com o recuperando, enquanto que o sistema comum está superlotado, colocando os presos em condições indignas.
Desde a criação da APAC, nenhuma rebelião foi registrada em nenhuma das unidades presentes em 9 (nove) estados brasileiros, o que reforça a importância dessa metodologia para o sistema carcerário brasileiro.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após robustos estudos, visitas aos sistemas prisionais comum e alternativo e a promoção dos grupos de Atenção-Socioeducativos na APAC, foi possível constatar que o método apaqueano cumpre com a legislação vigente e com a tríplice finalidade da pena, ou seja, retribui, previne e ressocializa o apenado, pois prepara-o com respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, a fim de cumprir sua missão – “matar o criminoso e salvar o homem”.
Com a aplicação dos seus doze elementos metodológicos, a APAC contribui para que o encarcerado possa retornar à sociedade, à família e ao âmbito profissional, proporcionando-lhe entender seu real papel na comunidade, aprender com seu erro e, acima de tudo, que possa ser um novo ser humano munido pela força de transformar o (seu) mundo em algo melhor, corroborando assim para que o sistema carcerário retire a liberdade de um indivíduo condenado, mas nunca sua dignidade.
Foi possível também analisar os motivos que levavam aquelas pessoas à condição de condenados, uma vez que durante a terapia eles expunham suas condições familiares e sociais, assim era possível conhecer diversos dramas pessoais que então levaram esses indivíduos ao crime. Entendendo-se assim, que a recuperação não é apenas do condenado em si, mas muitas vezes também se estende para sua família, e também compreende-se que a realidade social muitas vezes marginalizou esses indivíduos, em diversos aspectos, como escolaridade, saúde e financeiramente, logo, deveria ser dever do Estado diminuir ao máximo essas diferenças, de modo que, possivelmente haveria diminuição de muitos crimes.
Outro ponto que deve ser levado em consideração é que durante a prática extensionista houve também grande pesquisa bibliográfica acerca da metodologia desenvolvida dentro da APAC, a fim de compreender o dia a dia dos recuperandos e melhor enquadrar os grupos de atenção Sócioeducativos.
Em suma, compreendeu-se que o trabalho se fez importante dentro da Universidade, uma vez que aproximou os alunos com a realidade do cumprimento da pena de reclusão e dos métodos alternativos de prisão, bem como se fez marcante para a comunidade, no caso os recuperandos, que sofrem com a marginalização por serem criminosos condenados, e que durante as sessões de terapia puderam desabafar acerca de seus dramas e muitas vezes, por discernimento próprio, também conseguiram concluir que estão tendo a oportunidade de recuperação e de assumirem uma nova realidade no fim de suas penas.
REFERÊNCIAS
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PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO NA ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS: GRUPOS DE ATENÇÃO SOCIOEDUCATIVOS UEMG/FRUTAL-MG