VOZES DAS RUAS: NARRATIVAS E MEMÓRIAS DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DE SÃO CARLOS
Autor/es:
» Carla Regina Silva
» Fernanda de Cássia Ribeiro
» Marina Dei Agnoli
Descripción:
Carla Regina Silva. Professora, coordenadora do projeto. Universidade Federal de São Carlos. carlars@ufscar.br
Marina Dei Agnoli. Estudante do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos.
Fernanda de Cássia Ribeiro. Professora e Artista membro da equipe do projeto Unsquepensa e UNIARA.
O projeto de extensão “Vozes das ruas: narrativas e memórias da população em situação de rua de São Carlos” foi realizado pelo Laboratório de Atividades Humanas e Terapia Ocupacional (AHTO - @ahtouscar) e apoio da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no Centro de Referência Especializado da Assistência Social para Pessoas em Situação de Rua (Centro pop) de São Carlos - SP. A equipe extensionista se configurou como transdisciplinar, composta por estudantes e professora do curso de Terapia Ocupacional da UFSCar, por artista plástica e pelos psicólogos e terapeuta ocupacional do serviço.
O objetivo central do projeto foi realizar Oficinas de Atividades e convites à produção artística para a expressão de narrativas e histórias de vida das pessoas em situação de rua de São Carlos - SP, que frequentavam o Centro Pop.
Compreendemos a população em situação de rua como grupo plural e diverso, sendo constituído historicamente por pessoas que mais sofrem os efeitos produzidos por poderes hegemônicos do colonialismo e colonialidades, heterocispatriarcado, capitalismo neoliberal, funcionalismo e capacitismo, entre outras que agudizam as desigualdades, exclusões e violações.
Os encontros aconteceram semanalmente, com duração de 2h aproximadamente, sendo preparados e organizados previamente, no período de agosto a dezembro de 2019. As atividades foram organizadas em formato de Oficinas de Atividades semanais aberta e flexíveis distribuídas em dois blocos, com objetivos complementares: primeiramente, as atividades buscaram trabalhar com elementos pessoais, com relatos de vida e desejos futuros, como estratégia de conhecer os participantes; no segundo momento, foi proposto espaços para criações e expressões dos seus pontos de vistas, a compreensão de como veem a rua e quais os atravessamentos da mesma em seus corpos.
No primeiro encontro com este grupo, foi realizada a atividade “Círculo dos Sonhos”, como forma de apontar os desejos, sonhos e vontades a serem construídos ao longo do projeto. Além disso, como fechamento deste encontro, foi construído um cartaz informativo fixado no mural do serviço, convidando os demais usuários a participarem dos encontros futuros.
Após a análise dos desejos manifestados pelos usuários do serviço no “Círculo dos Sonhos”, o encontro seguinte foi permeado de histórias de vida, uma vez que a equipe do projeto decidiu levar ao grupo a atividade “Quem sou eu?”. Por meio do desenho, recorte de revista e colagem sobre folha de papel criativo foram trabalhados texto e imagem a partir dos disparadores: de onde vim? O que vivi? Por onde passei? Como cheguei aqui? No momento de partilha das produções, os usuários se apresentaram de forma espontânea e orgulhosos dos seus produtos, relatando pontos marcantes de suas vidas.
Como estratégia de continuar materializando as vozes dos participantes e suas experiências, foi sugerida uma atividade em que cada um poderia contar como se sente na condição de população em situação de rua frente a sociedade, nomeada “Como me vejo e como gostaria de ser visto pela sociedade”. Foi entregue individualmente uma folha com um layout de óculos impresso em papel opaline e sugerido que em uma das lentes tivesse a questão “como me vejo” e na outra “como gostaria de ser visto” representadas por meio de textos, desenhos, colagens, pinturas.
A oficina seguinte, nomeada como “Carta para si mesmo: o que você diria para o seu eu do passado?” foi organizada em três partes: primeiramente, uma escrita coletiva mobilizada pelas imagens das cartas do jogo Dixit ; a reescrita individual de um poema ou letra de música com conteúdo que dialogasse com a situação de rua, ressignificando o texto através de interferências gráficas, recortes e/ou adição de novas palavras; e, por fim, a escrita individual de uma carta para si mesmo, a partir dos disparadores “O que você diria a si mesmo sobre as coisas de sua vida? E se pudesse se colocar por fora de todas as situações pelas quais já passou e pudesse lhe dar conselhos?”.
Dando continuidade às atividades, o grupo iniciou o segundo momento do projeto com a proposição de uma atividade coletiva denominada Body mapping, como estratégia de indicar quais eram os atravessamentos da rua nos corpos dessas pessoas. Para isso, dois corpos dos usuários tiveram seus contornos desenhados em escala real sobre folhas de papel kraft e, com as silhuetas prontas, ambos foram preenchidos pelos usuários com textos verbais e visuais escritos a próprio punho ou recortados de jornais e revistas, e colados.
Na sequência, foi proposta a produção de uma obra coletiva, uma instalação chamada Minimópolis – uma cidade em escala pequena apresentando os locais pelos quais os usuários transitam. Para a criação, foi entregue uma folha com um layout pré-definido em que cada participante pudesse desenhar os elementos que mais lhe chamavam a atenção na cidade. Não se tratou de reproduzir a cidade e os espaços frequentados por eles fielmente, mas representar o significado dos espaços cotidianos e formas de (sobre)viver.
A última atividade realizada com o grupo foi a “Frottage” e serviu de base para a personalização do material gráfico do seminário “Análise dos 10 anos da Política Nacional à População em Situação de Rua”, realizado na UFSCAR, em dezembro de 2019. Os participantes criaram diversas pinturas abstratas retirando as texturas das paredes, janelas, portas e chão do Centro POP, levando assim, de forma poética e metafórica, a representação do espaço que os usuários frequentam, Centro POP, para dentro da universidade.
Os materiais produzidos nas oficinas foram disponibilizados para a apreciação estética da comunidade em uma exposição que aconteceu junto ao Seminário mencionado anteriormente, no Anfiteatro Bento Prado Júnior, com a participação dos usuários envolvidos no projeto.
Este projeto de extensão permitiu inúmeras trocas entre a equipe, usuários e universidade, sendo possível conhecer os membros do grupo de forma singularizada. Além disso, as temáticas dos encontros puderam gerar discussões e problematizações sobre o viver nas ruas, criar estratégias para gerar empoderamento e participação social, desconstruir preconceitos e possibilitar a expressão do grupo. Os resultados, apresentados em papéis, cores e colagens reverberam as vozes de cada participante do projeto. Nas obras, a sensibilidade, a esperança, os arranjos cotidianos e as sutilezas de cada corpo sinalizam as presenças e histórias de vidas, permeadas por muita luta, dor, sofrimento, alegria e resistência.
O projeto esteve associado a demais atividades de ensino, pesquisa e extensão, como pesquisas de Iniciação Científica, eventos, conferências, apoio à gestão, entre outras ações que compõem as atividades extensionistas do laboratório AHTO junto a este grupo. A integração de projetos e ações potencializam a interação, parcerias, reflexões e reivindicações para este grupo.
Assim, compreendemos nossas atividades extensionistas a partir de dimensões fundamentais para promover: a ação comprometida, ética, política e estética e o enfrentamento as desigualdades, exclusões e violações; o papel da universidade pública e sua responsabilidade social e cultural; a formação profissional, técnica e cidadã, a partir de problemas reais e urgentes da sociedade; e, ainda, fortalecendo serviços públicos executores das políticas e, portanto, dos direitos desta população. Essas ações são desenvolvidas através de preceitos contra hegemônicos que buscam romper com estigmas, estereótipos, racismos, machismos, aporofobias, entre outros para que as pessoas participantes possam ser vistas, cuidadas, valorizadas e reconhecidas a partir de suas próprias narrativas, trajetórias e diversidade.